Sobre Dione Veiga Vieira e sobre sua intervenção Da emoção das coisas, realizada na sala de formas do Instituto de Artes Visuais da UFRGS


por Milene Tafra da Fontoura[i]

O que sustenta a leveza é o peso.
Dione Veiga Vieira

No dia 13 de maio de 2013, ocorreu, na sala Fernando Corona do Instituto de Artes da UFRGS (IAR), a aula espaço-de-montagem sobre a intervenção Da Emoção das Coisas, realizada pela artista gaúcha convidada Dione Veiga Vieira, que participa, com este trabalho, do Projeto Perdidos no Espaço.
Esta é a sexta vez que Dione visita o Instituto de Artes da UFRGS como artista convidada. Em 1992, junto a outros artistas, ora professores da Instituição, como Hélio Fervenza e Elida Tessler, participou da exposição Branco, realizada na Pinacoteca do IAR, de curadoria de Maria Lúcia Cattani. No mesmo ano, em setembro, a convite da Professora Maria Amélia Bulhões Garcia, participou do Encontro – Documenta Kassel - Alemanha, evento público promovido pelo Curso de Pós-graduação/Mestrado em Artes Visuais, realizado na Faculdade. Em 2009, compartilhou sua experiência como curadora da exposição O Tempo Contaminado, ocorrida no Atelier Subterrânea, em um encontro com os curadores e artistas daquela exposição, realizado no IAR e aberto ao público[1]. Em 2010, em duas ocasiões, ambas a convite da Professora Icléia Cattani, falou sobre seu trabalho aos alunos dos cursos de graduação e doutorado. E no primeiro semestre de 2012, também a convite da Professora Maria Ivone dos Santos, esteve na Sala de Formas, para uma conversa com os alunos da disciplina Atelier de Escultura II, a qual culminou com uma entrevista por mim realizada.
A artista mediou pessoalmente a exposição Da emoção das coisas. Recebeu pessoalmente visitantes no local da obra, como os Professores Paola Zordan e Alfredo Nicolaiewsky. Além disso, generosamente, na aula espaço-de-montagem, apresentou a alunos do IAR, Professores Maria Ivone dos Santos e Hélio Fervenza, e demais expectadores presentes na referida ocasião, como Fábio Del Re, Natália Garcia, Laura Cattani e Munir Klamt (do grupo Ío), e Carlos Stein, imagens em powerpoint de experimentos e trabalhos de sua trajetória que possuem um liame com a exposição in situ da sala de formas de seu jardim.
Dione compartilhou algumas de suas memórias, como um registro fotográfico, feito em 1984, por Karin Lambrecht, de uma das primeiras vezes em que se voltou para a natureza. Na foto, ela está acumulando pedras em um círculo no solo, manipulando a terra escura no centro, em um exercício de pintura executado no  Museu do Trabalho.
Ela explicou que, ao ser convidada para realizar uma intervenção no Instituto de Artes, assim que viu o jardim da Sala de Formas, escolheu-o como espaço a ocupar. Disse que a Professora Maria Ivone dos Santos contou-lhe que o local, às vezes, é usado por alunos do Instituto como um refúgio para pensar, e que essa palavra, “refúgio”, engatilhou seu processo de criação, que se voltou para a exaltação de um esconderijo utilizado para refletir.
Dentro da sala Fernando Corona, na parede diante da escada, em um espaço de cerca de 2 x 2m, a artista projetou uma fotografia do jardim.


Dione Veiga Vieira. Projeção de imagem, 2013.
Ao lado direito desta projeção em escala natural, dispôs duas versões da imagem projetada, em tamanhos reduzidos. Interferiu em uma delas, sobrepondo-lhe idêntica foto em menor escala, além de inserir uma circunferência de papel pardo para sinalizar uma das árvores do jardim. Seguindo à direita, na parede subsequente, estão uma imagem fotográfica do jardim e um esfregão de algodão (bruxa) emoldurado, amassado contra o vidro, com aspecto e textura radicular ou de ramificação.

Finalizado o caminho indutivo, iniciado na projeção da fotografia do jardim, chega-se às janelas, de onde se visualiza o local fotografado.


De um dos galhos da árvore demarcada com o círculo bege em uma das citadas fotografias, pendula uma tarrafa branca. Ela está presa a um ramo por um gancho de ferro forjado. Em seu fundo, pesa uma esfera translúcida de vidro.
A rede, tensionada entre o alto do ramo no qual está pendurada e a esfera de vidro depositada em seu interior, percorre a verticalidade do local, coletando as folhas que caem da copa das árvores, enfatizando toda a profundidade do jardim e contendo a queda total do olhar.

Além disso, as texturas do objeto capturam e refletem parte da luz e as dimensões intimistas, bem como deixam vazar as cores úmidas do ambiente.

A artista contou que pensara em suspender horizontalmente a tarrafa aberta naquele jardim, como um amplo dispositivo coletor, tendo descartado tal ideia ao constatar a fragilidade do muro. Acabou por optar pela verticalidade do lugar, guardado na sua memória e impressões como um “abismo”. Foi assim que idealizou pendurar a tarrafa por um gancho de ferro em uma das árvores.
 Nas palavras da própria artista: “O peso no fundo da rede dá a forma que se relaciona a toda a verticalidade local. Em meus trabalhos, o que sustenta a leveza é o peso, como, por exemplo, o peso da pedra e a leveza de um véu...”.

Dione Veiga Vieira. Da Emoção das Coisas, 2013. Intervenção no Jardim da Sala de Formas-IA_UFRGS. Detalhe.
Dione Veiga 
Referiu, também, que sua obra aborda as relações entre palavra, poesia e visualidade - provável influência da sua formação em Letras. Inclusive, contou já ter publicado um livro de poesias escritas e visuais.
Na conversa com a artista, foram realizadas interessantes observações pelo público presente. O Professor Hélio Fervenza destacou ser interessante notar que no trabalho de Dione há um elemento formal a atravessar os objetos e suas obras; há formas que, de alguma maneira, se repetem. Percebeu que, na trajetória artística mostrada na apresentação de slides em powerpoint, o corpo, embora atravesse os processos e trabalhos, deixa uma forma. Citou, como exemplo, o ar que, ao passar pelo passaguá do trabalho No mar purpúreo, deixa nele seu formato. Munir Klamt indagou sobre como a artista entende o Eros em sua obra. Comentou ver nos trabalhos de Dione uma interlocução entre o imagético, mitológico e títulos científicos. Dione, a respeito do questionamento, falou que o título de suas criações acontece após a realização completa do trabalho. Explicou que, por exemplo, na escolha do título Da emoção das coisas, refletiu sobre seu entendimento de que a emoção é intuição e uma forma de inteligência. Dentro do contexto do seu processo, entende que a intuição é sua maior guia, e lhe amparou desde a simpatia pelo jardim até a escolha dos materiais para nele intervir. Ela referiu que na sua trajetória, por significativo tempo, investiu na pintura matérica, tendo investigado sobre o comportamento de diversos materiais e se interessado pelos significados dos títulos dos processos alquímicos como transformações simbólicas. Alguns desdobramentos destas pesquisas são os títulos como o da exposição A liquefação e a decantação.
Ao revelar seus estudos sobre materiais pictóricos, chegando a abordar alguns simbolismos relacionados à alquimia, e afirmar seus interesses em questões relacionadas ao ciclo da vida e da morte, Dione acaba por evidenciar que a repetição de certos elementos em diversos trabalhos, como o ovo, ora alude a um sentido de origem, ora apresenta-se como ponto de transmudação.

  
Dione Veiga Vieira. A Decantação, 2008.
Prateleira de madeira, objeto de cerâmica e vaso de vidro.
38 x 25 x 27 cm. Imagem: Fábio Del Re

Os aspectos da trajetória de Dione, acima relatados, e os questionamentos por ela expostos, corroboram com a pretensão da obra Da emoção das coisas em exaltar os elementos espaciais do jardim, intensificando a noção de existência destes. Para os expectadores, pode parecer que a obra artística ampliou o espaço constituído pelo interior da Sala de Formas e pelo jardim anexo, diluindo o limite entre o interno e o externo. Talvez, possa-se falar de uma ampliação espacial no plano sensível, impregnada do DNA da artista e na dimensão do seu imaginário, subsistindo harmonicamente no local.

[i]Milene Tafra da Fontoura é graduanda
em Artes Visuais na UFRGS.
Porto Alegre/2013.